domingo, 30 de agosto de 2009

O corpo é a raiz da nuvem

Enquanto leio o apanhador divagando sobre patos no meio do sermão do professor, a voz do vendedor de cabides de madeira chega aos meus ouvidos através da janela aberta de sol: "Olha o cabide pra roupa, cabide pra roupa". No silêncio da manhã de domingo, sua voz ecoa no vale de prédios, as ondas sonoras ricocheteando nas armações de concreto.

Chego à janela e percebo que aquela voz é como o éter: espalha-se no espaço, ocupa-o mais que o corpo que a emite. Se eu não soubesse que era um corpo carregando, além da voz, uns quantos cabides de madeira pra roupa, eu escreveria que era um corpo modificado em parangolés, presos pelo fio invisível da voz que se alteia sobre o silêncio da manhã.

Mas a chuva que cai, imprevisível, logo depois, é o efeito dessa atuação, expressão que agora me falta, uma espécie de aboio de asfalto dirigido a um céu de janelas sem parapeitos. Um cantochão, nem fala nem canto, que ultrapassa minha surdez cínica e alcança um ouvido mais atento às coisas da terra.

O corpo, através de sua extensão sonora, a voz, é a raiz da nuvem, que se forma pelo acúmulo dessa força telúrica. Instável, ela volta em forma de chuva, pra lavar a marca daqueles passos firmes no asfalto quente e, assim, abrir o caminho pra passagem de outros corpos em parangolés do que seja entoando mantras ao sol.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

eclipse da lua

minha boca sobrepondo-se à sua
meu corpo irmanando-se no seu


a gênese clara
a sombra obscura
o desafio de encontrar-se
num céu sem nuvens
repleto do firmamento
estático e vigilante
com seus olhos constelações
pulsantes ou fixos
sobre o objeto observado

lua e sombra

a lua branca rajada de cinza
cheia e definida
definitiva

uma sombra sem corpo
amorfa
buscando um sentido inexistente
que a essência da sombra é aparência
da presença de um ente

mas o desdobramento constante
que a luz origina
quando esbarra na opacidade do ser
transfigura-se no espaço sideral
sem a lei autoritária da gravidade
em uma viagem aleatória
por pedras flutuantes e sem vida
infundindo-lhes a plenitude de serem
presença e imagem noturna
na mesma aparição.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Poesia:
Improviso de bárbaros
Na lida da civilização.