quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Cajazeiro

cajazeiro
meu olhar descansa sobre teu cenho
carregado de nuvens

neste inverno hibernas
como nos outros também
mas os outros são os outros
não são este
este é nosso
é agora

e aqui
onde paredes e grades e telas
amotinam-me os olhos
engabelam-me com a ilusão do trabalho
tu hibernas do lado de fora
único sítio capaz de receber o ímpeto
de suas raízes multifacetadas que não vejo
mas deduzo que assim sejam
pois vislumbro na primeira superfície do chão
suas formas retorcidas alegóricas

quando levanto da minha cadeira torturadora
pra buscar um copo de plástico com água
ou um copo de água com plástico
aproveito pra assomar pela porta dos fundos
como um morcego quase moribundo
que sofre os efeitos da luz invernal
ainda mais chapante pela brancura homogênea das nuvens
sobre o azul escondido do céu
e depois de descer um degrau
todo o campo de visão se abre
e tua presença absoluta se impõe nesse quadro

arvoro-me a descrever-te
cajazeiro fundador da placidez
árvore que esbanja altivez
com suas raízes tronco membros
ocultas forte vivos
sem começo ou fim
sem tempo
um espaço feito de madeira enrugada
cheia de camadas
cascas
que se renovam em seu processo interior
que não ousas revelar

tens em teu tronco
um coração que pulsa a seiva
fortaleza que só a estupidez traspassa

tens na seiva o teu maná
alimento que se dá
a teus quatro membros seminais
galhos ancestrais
na lida da sobrevivência
vento e águas subjugando

tens nos galhos o equilíbrio
inconteste e definitivo
tão preciso para as folhas sucumbirem
à sua languidez mutante

tens nas folhas o respiro
trocas essenciais pelos suspiros
que difundem pelos ares

tens o momento crucial
o motivo primordial de existires
o caminho natural simples telúrico
raízes tronco galhos folhas
culminando no retorno da semente

preso nas correntes da sociedade da informação
testemunhando pandemias inventadas
e consciências propositadamente alienadas
aguardo ansioso o verão
quando suas folhas verdes tranformar-se-ão
em folhas amarelas modificadas
ou frutas amarelas ovaladas
que protegem os cajazeiros vindouros
e alimentam os estupores
de uma mente em expansão

cajazeiro
então pedirei licença pra observar
o mundo inteiro se lambuzando de cajá

Um comentário:

maresia disse...

melhor. cada vez melhor!