terça-feira, 17 de novembro de 2009

Assombro:
Um poema eclode
Do ovo da serpente.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

cabeça em farrapos

minha cabeça é cheia de loucos

que enchem de gritos roucos

o ar parado da noite


sopradores de ventos

furacões e amenos

conforme a prosódia da carne


poetas insanos

sutis e tirânicos

inspirados por musas voláteis


criadores do cosmo

cosmonautas do agora

em busca do quase nada


viajantes etéreos

comedores de luzes

hedonistas sem causa


pra quê dá-los nomes

se o que vestem são os farrapos da história?



terça-feira, 13 de outubro de 2009

poema inventado

sonhei um poema

que grudou na parede

depois de escapar pelo ouvido


meu corpo sonâmbulo

levantou em silêncio

loucomoveu-se em estrépitos

até a cozinha


abriu a gaveta

puxou uma faca

e voltou atrás dele


chegando no escuro

e de olhos fechados

vislumbrou o lagarto

reptilíneo poema

cinzento e obtuso


brandiu a lâmina

melodia obscena

cortando-lhe os pulsos


o lagarto faceiro

escorregou pela poça

do sangue negro da noite


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Cajazeiro

cajazeiro
meu olhar descansa sobre teu cenho
carregado de nuvens

neste inverno hibernas
como nos outros também
mas os outros são os outros
não são este
este é nosso
é agora

e aqui
onde paredes e grades e telas
amotinam-me os olhos
engabelam-me com a ilusão do trabalho
tu hibernas do lado de fora
único sítio capaz de receber o ímpeto
de suas raízes multifacetadas que não vejo
mas deduzo que assim sejam
pois vislumbro na primeira superfície do chão
suas formas retorcidas alegóricas

quando levanto da minha cadeira torturadora
pra buscar um copo de plástico com água
ou um copo de água com plástico
aproveito pra assomar pela porta dos fundos
como um morcego quase moribundo
que sofre os efeitos da luz invernal
ainda mais chapante pela brancura homogênea das nuvens
sobre o azul escondido do céu
e depois de descer um degrau
todo o campo de visão se abre
e tua presença absoluta se impõe nesse quadro

arvoro-me a descrever-te
cajazeiro fundador da placidez
árvore que esbanja altivez
com suas raízes tronco membros
ocultas forte vivos
sem começo ou fim
sem tempo
um espaço feito de madeira enrugada
cheia de camadas
cascas
que se renovam em seu processo interior
que não ousas revelar

tens em teu tronco
um coração que pulsa a seiva
fortaleza que só a estupidez traspassa

tens na seiva o teu maná
alimento que se dá
a teus quatro membros seminais
galhos ancestrais
na lida da sobrevivência
vento e águas subjugando

tens nos galhos o equilíbrio
inconteste e definitivo
tão preciso para as folhas sucumbirem
à sua languidez mutante

tens nas folhas o respiro
trocas essenciais pelos suspiros
que difundem pelos ares

tens o momento crucial
o motivo primordial de existires
o caminho natural simples telúrico
raízes tronco galhos folhas
culminando no retorno da semente

preso nas correntes da sociedade da informação
testemunhando pandemias inventadas
e consciências propositadamente alienadas
aguardo ansioso o verão
quando suas folhas verdes tranformar-se-ão
em folhas amarelas modificadas
ou frutas amarelas ovaladas
que protegem os cajazeiros vindouros
e alimentam os estupores
de uma mente em expansão

cajazeiro
então pedirei licença pra observar
o mundo inteiro se lambuzando de cajá

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Amendoeira

Quando meus olhos tocaram os olhos da amendoeira,
Aqueles olhos negros da noite,
Um fogo-fátuo surgiu e se apagou,
Deixando um rastro
De curiosidade e atração mútua
Que por algumas semanas perdurou.

Aquela árvore, desengonçada ao vento
Que só pela noite volteia,
Entre outras árvores a mais invernal,
Tem o desenho de um símbolo alvissareiro
Dentro de uma mão espalmada
Entalhado em seu tronco dorsal.

Ao tocar sua madeira vermelha
Ruborizou-se ao avesso,
Assumindo uma cor rosácea.
Um tremido, trêmulo gemido,
A percorreu por inteiro,
Revelando toda sua audácia.

Por aquela árvore, amendoeira imponente,
Passou o meu toque invulgar,
Mas aparentemente incapaz
De revelar-lhe sua essência solar,
E assim o que pra mim foi eterno
Pra ela foi um brilho fugaz.

domingo, 30 de agosto de 2009

O corpo é a raiz da nuvem

Enquanto leio o apanhador divagando sobre patos no meio do sermão do professor, a voz do vendedor de cabides de madeira chega aos meus ouvidos através da janela aberta de sol: "Olha o cabide pra roupa, cabide pra roupa". No silêncio da manhã de domingo, sua voz ecoa no vale de prédios, as ondas sonoras ricocheteando nas armações de concreto.

Chego à janela e percebo que aquela voz é como o éter: espalha-se no espaço, ocupa-o mais que o corpo que a emite. Se eu não soubesse que era um corpo carregando, além da voz, uns quantos cabides de madeira pra roupa, eu escreveria que era um corpo modificado em parangolés, presos pelo fio invisível da voz que se alteia sobre o silêncio da manhã.

Mas a chuva que cai, imprevisível, logo depois, é o efeito dessa atuação, expressão que agora me falta, uma espécie de aboio de asfalto dirigido a um céu de janelas sem parapeitos. Um cantochão, nem fala nem canto, que ultrapassa minha surdez cínica e alcança um ouvido mais atento às coisas da terra.

O corpo, através de sua extensão sonora, a voz, é a raiz da nuvem, que se forma pelo acúmulo dessa força telúrica. Instável, ela volta em forma de chuva, pra lavar a marca daqueles passos firmes no asfalto quente e, assim, abrir o caminho pra passagem de outros corpos em parangolés do que seja entoando mantras ao sol.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

eclipse da lua

minha boca sobrepondo-se à sua
meu corpo irmanando-se no seu


a gênese clara
a sombra obscura
o desafio de encontrar-se
num céu sem nuvens
repleto do firmamento
estático e vigilante
com seus olhos constelações
pulsantes ou fixos
sobre o objeto observado

lua e sombra

a lua branca rajada de cinza
cheia e definida
definitiva

uma sombra sem corpo
amorfa
buscando um sentido inexistente
que a essência da sombra é aparência
da presença de um ente

mas o desdobramento constante
que a luz origina
quando esbarra na opacidade do ser
transfigura-se no espaço sideral
sem a lei autoritária da gravidade
em uma viagem aleatória
por pedras flutuantes e sem vida
infundindo-lhes a plenitude de serem
presença e imagem noturna
na mesma aparição.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Poesia:
Improviso de bárbaros
Na lida da civilização.

terça-feira, 21 de julho de 2009

5-7-5

Cinco sílabas
Sete transfigurações
Cinco pétalas